Lya Luft
Há quem diga que dou esperança; há quem proteste
que sou pessimista. Eu digo que os maiores otimistas são aqueles que, apesar do
que vivem ou observam, continuam apostando na vida, trabalhando, cultivando
afetos e tendo projetos. Às vezes, porém, escrevo com dor. Como hoje.
Acabo de assistir a uma reportagem sobre crianças
do Brasil que vivem do lixo. Digamos que são o lixo deste país, e nós
permitimos ou criamos isso. Eu mesma já vi com estes olhos gente morando junto
de lixões e crianças disputando com urubus pedaços de comida estragada para
matar a fome.
A reportagem era uma história de terror – mas
verdadeira, nossa, deste país. Uma jovem de menos de 20 anos trazia numa
carretinha feita de madeiras velhas seus três filhos, de 4, 2 e 1 ano. Chegavam
ao lixão e a maiorzinha, já treinada, saía a catar coisas úteis, sobretudo
comida. Logo estavam os três comendo e a mãe, indagada, explicou com
simplicidade: "A gente tem de sobreviver, né?".
Não sei como é possível alguém dizer que este país
vai bem enquanto esses fatos, e outros semelhantes, acontecem, pois, sendo na
nossa pátria, não importa em que recanto for, tudo nos diz respeito, como nos
dizem respeito a malandragem e a roubalheira, a mentira e a impunidade e o falso
ufanismo. Ouvimos a toda hora que nunca o país esteve tão bem. Até que em
algumas coisas, talvez muitas, melhoramos.
Mas quem somos, afinal? Que país somos, que gente
nos tornamos, se vemos tudo isso e continuamos comendo, bebendo, trabalhando e
estudando como se nem fosse conosco? Deve ser o nosso jeito de sobreviver – não
comendo lixo concreto, mas engolindo esse lixo moral e fingindo que está tudo
bem. Afinal, se nos convencermos de que isso acontece no nosso meio, no nosso
país, talvez na nossa cidade, e nos sentirmos parte disso, responsáveis por
isso, o que se poderia fazer?
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