Ana Paula dos Santos¹
Resumo: O
presente artigo trás a condição de Canudos nos anos de 1896 e 1897 destacando a
visão dos habitantes do arraial e do exército. Retrata as diversas visões do
conflito armado através de textos históricos e literatura de cordel, que era
muito utilizada na época e até hoje no sertão nordestino. Mostra como era
descrito personagem histórico Antônio Conselheiro, e o que ele queria liderando
os habitantes contra o Governo Republicano, que era contra o casamento civil.
Retrata também o abandono dos governantes e a cobrança de impostos dos
sertanejos. O movimento para repreender Canudos ganhou dimensões gigantescas e participação
do Governo Federal.
Palavras-Chave:
Canudos, Guerra de Canudos, Antônio Conselheiro.
A Guerra de Canudos foi um conflito
histórico acorrido no final do século XIX que aconteceu no interior do Estado
da Bahia e contou com a participação da população do arraial de canudos
liderado por Antônio Conselheiro.
A Guerra acontece por vários
fatores, as mais conhecidas de suas causas foram: fome, desemprego, baixo rendimento
e descaso do governo.
Esses fatores contribuíram para que a
revolta da população chegasse a nível federal e foi o que acorreu. Com todos
esses tópicos não foi difícil convencer o arraial de Canudos a ir à luta com a
ajuda de Antônio Conselheiro.
A fome foi provocada pela a seca do
sertão nordestino, que dificultava o plantio de alimentos e a criação de gado
encadeando o desemprego, pois sem ter como plantar não havia como gerar
empregos ou até mesmo trabalhar por conta própria ou para subsistência. E tudo
era ignorado pelo governo, causando a revolta da população.
Para tentar contornar essa situação,
em novembro de 1896 começa a guerra, que foi um conflito violento e contou com
grupos armados tanto dos habitantes de Canudos quanto de tropas do governo da
Bahia e ainda a ajuda do governo federal.
De contra partida havia os
latifundiários e o governo querendo que os habitantes de Canudos pagassem
impostos.
Muitos autores usam a Literatura de
Cordel para narrar o conflito, esse tipo de literatura é muito comum no sertão
nordestino até hoje. Trata-se de uma literatura baseada em poesia popular
impressa em folhetos, quando essa literatura chega ao Brasil, era utilizado o
processo de xilografia. Ganhou esse nome em Portugal por seus exemplares serem
amarrados em cordões para serem vendidos.
Essa poesia chega ao Brasil no
século XVIII e foi muito utilizada devido ao seu baixo custo e eficácia para
levar informação e conteúdo para a população.
João
Melchiades é pioneiro da Literatura de Cordel, o escritor foi militante do
Exército Brasileiro, e nos mostra a visão do exército em relação aos habitantes
de Canudos. Depois de sair do exército, em 1905, começar a escrever suas
poesias de cordel assumindo sua defesa da República.
[...] No ano de
noventa e seis,
O Exército Brasileiro
Achou-se então
comandado
Pelo general guerreiro
De nome Arthur Oscar
Contra um chefe cangaceiro.
Ergueu-se contra a
República
O bandido mais cruel
Iludindo um grande
povo
Com a doutrina infiel
Seu nome era Antônio
Vicente Mendes Maciel [...]
(SILVA, João Melchiades Ferreira da. A Guerra
de Canudos,1914, p.16)
Já Geraldo Amancia,
em sua obra, A história de Antônio Conselheiro, narra à saga de Canudos e tem
uma visão diferente de João Melchiades, pois conta a versão da população e
deixa de lado a visão do Exército. O escritor já utiliza uma forma mais moderna
de cordel com impressão de melhor qualidade e com ilustrações do artista plástico
Kazane.
[...] Do homem cresce o valor
Quando a história compara
O Brasil tem a mania
De enaltecer Che Guevara
Talvez por ser estrangeiro
Foi uma joias mais rara.
Montou primeiro um comércio
Para comprar e vender
No magistério ensinava
Ler, contar e escrever
E no foro trabalhava
De toda forma buscava
Meios para sobreviver [...]
(PEREIRA, Geraldo Amancio. A história de
Antonio Conselheiro, 2010, p. 47)
Euclides
da Cunha, em sua obra Os Sertões, descreve Canudos na época de 1896 e 1897. A
obra é dividida em partes para se entender melhor o que foi o conflito. A
primeira parte o autor descreve o clima semi-aridio do nordeste. Descreve o
clima, a fauna, a flora e o relevo do nordeste o que dá uma base para as outras
partes que descreve a guerra e o homem nordestino.
O
capitulo onde Euclides descreve o homem, o autor mostra como eram os habitantes
de Canudos, quem fazia parte dessa população. O autor fala como o determinismo
geográfico interfere na formação do indivíduo. Ou seja, como a seca nordestina
influencia na formação pessoal do cidadão nordestino e fala como essas pessoas
vivem ou sobrevivem no meio onde estavam inseridas.
Simone
Garcia, em sua obra Canudos: História e Literatura, divide em três partes o
conflito para um melhor entendimento e aprofundamento do assunto sobre a
interdisciplinaridade e sobre Canudos.
A
primeira parte do livro possui uma apresentação didática e sistemática do
conteúdo. Essa parte faz uma análise reconstrutiva da Guerra: uma distribuição
bem precisa entre as duas fases da crítica histórico-literária. Uma chamada de
desconstrutiva que é aquela que adota uma visão crítica em relação ao sentido
aparente dos textos, e a segunda fase pode ser chamada de reconstrutiva, por
refazer a história a partir de vestígios do texto, trata-se de uma nova
história ou uma nova concepção de fazer história.
A segunda parte do livro
possui uma visão de desconstrução do processo de transmissão da memória
histórica sobre a epopéia (conjunto de acontecimentos históricos
narrados em verso e que podem não representar os acontecimentos com fidelidade)
de Canudos, ou seja, faz-se uma análise da historiografia existente sobre esse
tema. Utiliza também a reconstrução historiográfica da experiência de Canudos.
A terceira parte é a mais
intrigante e renovadora. A pesquisadora e professora Simone Garcia reescreve a
história de Canudos a partir das esperanças, anseios, projetos e desejos
expressos e implícitos no chamado imaginário social brasileiro, captados através
da literatura, do teatro, da poesia, do cinema que trataram da epopeia
sertaneja.
Para a autora, o historiador
precisa se preocupar não somente com o que foi ocorrido de fato, mas também com
o que poderia ter sido acorrido. Enquanto o enfoque das teorias modernas da
História se preocupa somente com a realidade, as teorias de tendências
“pós-modernas” dá vez aos sonhos e as fantasias, ou seja, ao imaginário da
sociedade.
O historiador, ao se
preocupar apena com o que efetivamente aconteceu, perpetua a memória da
dominação social, pode de lado uma massa de excluídos. Daí a importância dessa
história “pós-moderna”, pois ela está interessada em transgredir a realidade
ainda que de forma fictícia.
Michel Zaindan (1992)
defende que o novo historiador entende o imaginário do povo. Para o novo
historiador, o imaginário expressa a reserva de consciência crítica da
sociedade. Nesse novo modo de ver a história, as pessoas se relacionam de outra
forma, entre si e com o tão famoso Conselheiro de Canudos, com essa perspectiva
o historiador passa a ser um crítico literário.
Muito bem, a autora enfatiza
que a literatura é uma historiografia inconsciente, que registra o outro lado
da história, o lado que não aconteceu de fato (possibilidades históricas não
realizadas).
Para entendermos melhor essa
visão literária e a historia de Canudos a Garcia nos mostra o quadro histórico
do tema. Utiliza o tempo historia circular e não linear para Canudos.
A sociabilidade egoísta do
capitalismo produz um homem sem história, desmemoriado, cuja atividade psíquica
se resume a interceptar as tensões da vida moderna.
A desconstrução da memória
oficial se faz devido ao grande número de trabalhos intactos sobre o povo
brasileiro. Os primeiros desses trabalhos possuíam uma visão ingênua e preconceituosa
do movimento de Canudos, sendo interpretado como fanatismo religioso, vista
como seita paranoica ou movimento criminoso. Porém, esses trabalhos tinham uma
forte fonte de informação, como por exemplo, a discrição da estrutura social da
comunidade, transformando-se em fontes indispensáveis para a reconstrução do
movimento de Canudos. Devido a esses escritos, muitos cientistas tentaram
mostrar as verdadeiras causas e motivações deste que foi um dos maiores
movimentos da população rural brasileira.
A questão das péssimas
condições de vida do povo sertanejo não aparece nesses primeiros trabalhos como
um fator para entender as motivações da população rural em lutar por uma vida
melhor.
Apenas num segundo momento,
as abordagens sobre Canudos serão mais globalizadas, analisando o movimento
juntamente com a política do coronelismo e ao regime de propriedade que tem
como base o latifúndio.
Houve uma mudança radical na
visão sobre Canudos deixando de lado o movimento, até então visto como um
resultado do fanatismo e da ignorância do povo sertanejo. Descoberta sobre a
Guerra de canudos de Antônio Conselheiro se faz muito importante nesse período
para uma maior compreensão do contexto social da época.
Para melhor compreendermos a
obra da autora precisamos ter em mento o que foi a Guerra de Canudos. O arraial
de Canudos, parte rural nordestina, organizou um movimento civil.
Esse movimento começa no ano de 1896
que durou quase um ano. O governo pede apoio da República para conter o
movimento liderado por Antônio Conselheiro, que acreditava ter sido enviado por
Deus ara acabar com as diferenças sociais e também com o pecado republicano
(casamento civil e cobrança de impostos). A Guerra foi motivada pela
precariedade, fome, seca, miséria e abandono político que afetavam os
nordestinos, principalmente a população carente. O movimento era visto como
fanatismo religioso.
Conselheiro consegue reunir
um grande número de adeptos que acreditavam que seu líder realmente poderia
libertá-los da situação de pobreza. Essa revolta foi tamanha que o governo
encontrou dificuldades para controlar os adeptos, foram quatro combates, onde
as forças republicanas estavam bem equipadas e organizadas.
Essa revolta representou a
luta da população rural pela libertação social. E também demonstra a força do
sertanejo para com seus ideais.
João Arruda (1993)
classifica a produção sobre o movimento em três vertentes para compreendermos
melhor visões diferentes sobre o mesmo tema.
A primeira vertente é
classificada como Vertente Euclidiana: essa vertente leva em consideração a
obra de Euclides da Cunha, Os Sertões, de 1902. Essa obra tornou-se o
referencial sobre Canudos. O escrito é preconceituoso, porém era aceito como
verdade absoluta. Esse fato se dá pela veneração que se encontra na tentativa
de Euclides da Cunha de aplicar na análise do movimento do líder Antônio
Conselheiro. Devido ao ecletismo de Euclides da Cunha, fica difícil dizer quais
as verdadeiras causas para ela da Guerra. As causas, que o autor aponta são
várias: o esmagamento das raças fracas pelas mais fortes; a degenerescência,
produto da mistura de raças contrariando as leis biológicas; a morbidez do
clima e do solo nordestino; a rudeza do meio em que vive o povo; a religião
mestiça; o conflito entre litoral civilizado e o sertão retardatário e
selvagem.
Enfim, para Euclides da
Cunha esses fatores produziam uma sociedade desequilibrada e retardatária, esse
autor possui uma visão preconceituosa sobre Canudos e o povo nordestino.
Estas consequências
negativas da mestiçagem da população são acentuadas no sertanejo. Isso se deve
por essa população permanecer praticamente isolada, livre de elementos
estranhos. Por esse isolamento a população não precisou se adaptar a uma
cultura superior, porém o fator étnico que transmitiu as tendências
civilizadoras não lhe impôs a civilização.
Para Euclides, não há ato heroico
em relação a Antônio Conselheiro. O autor não conseguia entender o significado
da religião de Antônio Conselheiro. Canudos era a manifestação de um fanático
selvagem de uma raça inferior em uma fase de monoteísmo, marcada por um
misticismo e fetichismo extravagante. Segundo o autor de Os Sertões,
Conselheiro era a favor do amor livre, era contra o casamento civil, por motivo
de ordem religiosa, ele achava que o casamento civil era um meio a mais de
governantes controlarem a vida da população. O líder da Guerra de canudos
aponta alguns males trazidos pela republica, do que ele também era contra; a
intervenção da Companhia de Jesus e o casamento civil, por entender invasão do
estado no terreno religioso.
A segunda vertente é
denominada Vertente Marxista que deixa claro que esses movimentos deveriam ser
analisados dentro de uma teoria geral dos movimentos sociais em formações
pré-capitalistas. Mesmo esses movimentos messiânicos apresentam um discurso e
uma prática particulares, não deixam de ser uma manifestação de contradição de
classe e de interesses materiais.
O Marxismo parte do modo de
produção para analisar a causa das transformações sociais dos movimentos e das
revoluções políticas e não da religião, de costumes ou de normas sociais. Essa
teoria, apesar de não subestimar a influência da superestrutura em suas
análises, busca nas relações concretas, no processo de produção e reprodução
material, as explicações para os acontecimentos, pois assim podem-se observar
os interesses e os objetivos materiais das diferentes classes sociais.
Para Rui Facó, pós-acadêmico
brasileiro, ao analisar os movimentos messiânicos, entende-se como fanatismo
religioso. Segundo o escritor as condições objetivas para a eclosão de várias
rebeliões como a de Canudos foram estabelecidas já no inicio da colonização.
Isso significa que, com a divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias e subsequente
concessão de sesmarias, levaram ao monopólio da terra, dando origem aos atuais
latifúndios. Nasceu então, uma estrutura social injusta e bipolarizado: de um
lado, a classe dominante, os grandes senhores de terra e do outro lado, uma
grande parcela da população, formada por escravos e camponeses, submetidos ao
poder dos coronéis. Uma organização assim gera exploração, opressão, atraso
cultural e analfabetismo.
A terceira vertente é a Vertente
Cultural-Funcionalista podem-se dividir os trabalhos produzidos com base na
vertente cultural-funcionalista em três linhas.
A primeira linha é contra a
aculturativa: que analisa os movimentos messiânicos como resposta aos povos
tribais a desorganização provocada pelo contato com culturas europeias ou
culturas estrangeiras.
A segunda linha analisa os
movimentos messiânicos como uma resposta dos dominados a uma situação de
opressão, quando a resistência política ainda é possível. Esses movimentos
seriam a base religiosa a partes da qual se ergueria o nacionalismo.
A terceira linha analisa os
movimentos messiânicos na parte produzida pelo choque cultural, ou seja, a
partir das consequências desestruturadas que o contato com a cultura produz na
cultura dominante.
A autora, ao reconstruir a
história de Canudos, traça o perfil psicológico de Conselheiro que teria um
caráter agressivo. Já a escritora Pereira de Queiroz observa em Conselheiro
traços de desequilíbrio e conduta antissocial, fazendo seus seguidores agirem
contra Canudos. Fatores que contribuiu para agravar os conflitos entre
conselheiristas e a classe dominante, foram às invasões e os saques as
propriedade dos que não eram simpáticos a Antônio Conselheiro e sua comunidade.
O saque era uma forma utilizada para complementar a alimentação da comunidade
carente de Canudos.
Concluímos por meio desse
estudo que o movimento de Canudos foi muito importante para demonstrar a força
que a população possui. Os autores demonstram uma visão mais ampla do tema,
levando em consideração a literatura local, ou seja, o imaginário da população,
dando ênfase nos desejos desse povo, e não somente ficando presa a uma
historiografia exata do assunto. Porém, com uma rica fonte de informações do
que de fato ocorreu nesse movimento e deixando evidente também o que poderia
ter ocorrido, isso através da literatura sertaneja.
REFERÊNCIAS:
Cunha, Euclides. Os Sertões. Editora Todolivro. 1902.
Garcia, Simone. Canudos: História e Literatura.
Florianópolis. HD Livros. 2002.
PEREIRA, Geraldo Amancio. A história de Antonio
Conselheiro. Editora IMEPH. 2010
SILVA, João Melchíades Ferreira . Guerra de Canudos.
Disponível em: http://acordacordel.blogspot.com.br/2012/01/joao-melchiades-e-guerra-de-canudos.html.
Acesso em 09 agosto 2013.