terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Folclore e Educação

Sabemos que o desenvolvimento da personalidade humana depende de dois grupos básicos de fatores: os fatores hereditários e os fatores educacionais.

      Na espécie humana, os fatores educacionais assumem papel fundamental na constituição da maior parte dos comportamentos do indivíduo, já que a criança aprende através da educação, da experiência e dos conhecimentos do seu grupo.  A relevância do fator educacional para o desenvolvimento da personalidade toma-se evidente pelo fato de ser indispensável à aquisição de dois ramos de conhecimentos essenciais à adaptação do indivíduo ao meio: a aquisição do conhecimento lógico e do conhecimento moral.

      Mesmo sem deixar de lado certas condições inatas que permitem ao ser humano a construção de regras e de sentimentos morais, parece não haver dúvidas sobre a função decisiva da Educação Moral na formação efetiva do caráter.
      A questão da liberdade humana ocupa posição central no ensino de Educação Moral e Cívica no mundo moderno. É fundamental o uso que devemos fazer de nosso livre arbítrio, equacionando o ímpeto de liberdade, imprescindível à autonomia do indivíduo, com uma conduta ponderada e respeito pelos semelhantes.
      A importância do ensino da cadeira de Educação Moral e Cívica é capital e acreditamos, sim, que se deva iniciar, desde as primeiras séries do curso de primeiro grau, com noções gerais, em que se incluam as idéias da sabedoria popular, de maneira que a menino possa adquirir noções exatas através do que vê, num aprendizado prático e eficiente, bem orientado pelo professor.
      Nas escolas rurais onde, pelas circunstâncias do meio, os alunos sofrem um retardamento, cabe ao professor, partindo daquilo que o meio oferece transmitir a eles os conceitos básicos essenciais à formação do adolescente.

      Uma grande atenção deve ser dada às fábulas. O aluno rural tem uma idéia justa e esclarecida da vida dos animais, de sorte que são capazes de uma compreensão maior do que faz a cachorro, a gato ou a galinha. As fábulas apresentam conteúdo de alta importância, à medida que permite aos alunos conhecerem o valor da formiga trabalhadora, do cão fiel, do joão-de-barro arquiteto. Não só os animais, mas as plantas e os minerais devem ser mostrados aos alunos, exaltando suas funções.
      Revelar-se-ão através de estórias, de provérbios, de cantigas, as idéias de amizade, de coleguismo, de boa companhia, que deverão ser ministrados com muita atenção, mostrando como até os bichos são amigos entre si, como o homem deve fazer a bem pelo bem, como deve ajudar seu semelhante, como evitar brigas.  Para a criança da cidade certos conceitos lhe escapam facilmente, já que o contato com animais, plantas, etc. é mais difícil.
      Com relação aos brinquedos, os meninos do campo e as da periferia já participam de folguedos e de danças, já tomam parte em Folias de Reis, Folia do Divino, Dança-de-são-gonçalo, Cateretê, etc., enquanto que para os meninos do centro da cidade tudo isto ainda está muito distante. Um menino de situação privilegiada terá carrinhos, animais, estrada-de-ferro, etc., e os menos favorecidos se contentarão em fazer parte de um grupo folclórico. Mas o que é necessário é que ambos aprendam a lidar com o brinquedo. Um com a parte mecanizada, outro com as intenções do folguedo. Aí, então, o folclore aparece como um campo imenso de civismo a ser aproveitado. Enquanto o garoto que brinca com os folguedos do povo, conhece as grandes qualidades humanas, a coragem, a ousadia, o valor pessoal através das figuras lendárias que constituem parte das suas brincadeiras, o outro adquire noções industriais mais avançadas, conhece o romance de Carlos Magno, o valor das Pastorinhas, os ensinamentos das Congadas, dos Moçambiques, etc.

      E ambos gostam e se divertem com travalínguas, criptofonia, adivinhas, quadras, provérbios, etc.
      Sabemos que provérbio é uma pequena composição que encerra uma verdade sob o véu da ficção. Temos observado essa sabedoria entre os alunos que estudam na Escola Estadual de Primeiro Grau da Vila Silva Melo, em Olímpia-SP. Essa escola é construída, pode-se dizer, dentro de uma fazenda, tendo sua frente voltada para uma rua do Jardim Silva Melo. Nela estudam alunos da cidade e também alunos da zona rural. Com relação aos provérbios, pudemos coletar uma série deles, bem conhecidas de nossos alunos: 'Quem canta um conto lhe acrescenta um ponto'. 'Quem diz o que quer, ouve o que não quer'. 'Tanto morre o papa, como a que não tem capa'. 'Filha de peixe sabe nadar'. 'Mais fere a má palavra, que espada afiada'. 'Amigo de bom tempo, muda-se com o vento'. 'Homem honrado, antes morto que injuriado'. 'Quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita'. 'Quem boa cama fizer, nela se deitará'. 'A fome é a melhor cozinheira'. 'Não há pior cego que aquele que não quer ver'. 'De grão em grão a galinha enche a papo'. 'Há males que vem para bem'. 'Quando a esmola é demais o santo desconfia'. 'Casa de ferreiro, espeto de pau'. 'Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe'. 'Quem desdenha quer comprar'. 'Santo de casa não faz milagre'. 'Deus escreve direito por linhas tortas'. 'A corda rebenta sempre do lado mais fraco'. 'A ocasião faz o ladrão'. 'Cesteiro que faz um cesto faz um cento'. 'Amor com amor se paga'. 'Só se atiram pedras em árvores que dão fruto'. 'Quem vê cara não vê coração'. 'Ri o roto do esfarrapado'. 'Cada um puxa a brasa para sua sardinha'. 'Quem dá aos pobres empresta a Deus'. 'Quem dá o que tem a pedir vem'. 'Cria fama e deita-te na cama'. 'Quem ri par último, ri melhor'. Não faças aos outros o que não queres que te façam', etc.

      Mas a mais curiosa é que muitos alunos empregam antiprovérbios. Por exemplo: A fome é a maior desgraça. (A fome é a melhor cozinheira); De grão em grão a galinha se cansa. (De grão em grão a galinha enche o papo); Quando a esmola é demais, o santo gosta. (Quando a esmola é demais, a santo desconfia); Cesteiro que faz um cesto é preguiçoso. (Cesteiro que faz um cesto, faz um cento); Quem dá aos pobres cai na miséria. (Quem dá aos pobres empresta a Deus); Quem ri por último é retardado. (Quem ri par último, ri melhor); Quem cedo madruga, fica com sono. (Quem cedo madruga, Deus ajuda); Após a tempestade vem os estragos. (Após a tempestade vem a bonança); Quem o feio ama, não tem bom gosto. (Quem a feia ama, bonito lhe parece); Mais vale um pássaro na panela que dois na mão. (Mais vale um pássaro na mão que dais voando); Em boca fechada não entra comida. (Em boca fechada não entra mosquito). Interessante é também este provérbio mais extenso! que retrata a perspicácia da mulher:
O rico e o pobre são dois iguais:
O soldado protege os dois,
O operário trabalha pelas três,
O vagabundo come pelos quatro,
O advogado defende os cinco,
O confessor condena os seis,
O médico examina os sete,
O caveira enterra os oito,
O Diabo carrega as nove,
A mulher engana os dez.
      Coma diz Piaget: "A evolução interna do indivíduo (ligada aos fatores hereditários) fornece apenas um número considerável de esboços suscetíveis de serem desenvolvidos, anulados ou deixados em estado inacabado". Compete, portanto à educação influir nesses esboços endógenos, através de um trabalho de complementação, transformação e burilamento, segundo os interesses e necessidades socialmente desejáveis.
      Assim podemos concluir que a educação, quer no sentido lógico quer no sentido moral é, para o indivíduo, fator de realização de suas potencialidades naturais, representando a condição essencial à sua integração na vida coletiva e o pleno desenvolvimento no seio da comunidade.